Em causa a dignidade
e os direitos dos trabalhadores

Combate ao flagelo<br>da precariedade

A pre­ca­ri­e­dade la­boral tornou-se um fla­gelo so­cial que atinge cerca de um mi­lhão e du­zentos mil tra­ba­lha­dores, sendo hoje um factor de tre­menda ins­ta­bi­li­dade e in­jus­tiça so­cial.

A um posto de tra­balho per­ma­nente deve cor­res­ponder um vín­culo de tra­balho efec­tivo

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Apos­tado em al­terar este quadro está o PCP que, de­pois da en­trega re­cente de di­plomas seus vi­sando esse ob­jec­tivo, levou o tema no dia 23 ao ple­nário da AR em de­bate de ac­tu­a­li­dade.

Dando con­ti­nui­dade à cam­panha na­ci­onal ini­ciada a 18 de Fe­ve­reiro – «Mais Di­reitos, Mais Fu­turo – Não à Pre­ca­ri­e­dade», assim se chama a acção em curso junto dos tra­ba­lha­dores nas em­presas –, este de­bate cons­titui-se numa im­por­tante achega para que o Par­la­mento, em co­la­bo­ração com o Go­verno, dê os passos ne­ces­sá­rios com vista a mi­norar o pro­blema e a que sejam cri­adas con­di­ções de pres­tação de tra­balho que res­peitem a dig­ni­dade dos tra­ba­lha­dores.

É que falar em pre­ca­ri­e­dade do tra­balho, para os tra­ba­lha­dores a ela su­jeitos, como sa­li­entou o de­pu­tado co­mu­nista An­tónio Fi­lipe na in­ter­venção final, é falar da «pre­ca­ri­e­dade da pró­pria vida».

A de­pu­tada Rita Rato, no ar­ranque do de­bate, fora mesmo mais longe e con­si­derou que a pre­ca­ri­e­dade do em­prego é a «pre­ca­ri­e­dade da fa­mília, da for­mação, das qua­li­fi­ca­ções e da ex­pe­ri­ência pro­fis­si­onal, é a pre­ca­ri­e­dade do perfil pro­du­tivo e da pro­du­ti­vi­dade do tra­balho».

Pre­ca­ri­e­dade que afecta vá­rios sec­tores de ac­ti­vi­dade, na in­dús­tria, no co­mércio, nas pe­quenas e grandes su­per­fí­cies co­mer­ciais, os tra­ba­lha­dores da cul­tura, da in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica, os ser­viços pú­blicos.

Fra­gi­li­dades

E no de­bate não fal­taram os exem­plos, pela voz dos de­pu­tados co­mu­nistas, de tra­ba­lha­dores jo­vens e menos jo­vens cujo vín­culo la­boral é pre­cário.

Ficou so­bre­tudo claro que a fra­gi­li­dade da re­lação la­boral, tra­du­zida na pre­ca­ri­e­dade, é uma «fra­gi­li­dade da po­sição dos tra­ba­lha­dores a todos os ní­veis». Trata-se de con­tratos a termo em des­res­peito pela lei, do uso abu­sivo de re­cibos verdes, de tra­balho en­ca­po­tado pelo re­gime de pres­tação de ser­viços, de bolsas de in­ves­ti­gação ou es­tá­gios pro­fis­si­o­nais, de tra­balho tem­po­rário sem ob­ser­vância de re­gras.

«O pre­cário não tem di­reitos. É afec­tado por si­tu­a­ções ina­cei­tá­veis de baixos sa­lá­rios, por ho­rá­rios alar­gados e ar­bi­trá­rios (têm horas para en­trar mas não têm horas para sair), são pra­ti­ca­mente proi­bidos de exercer os seus di­reitos sin­di­cais», su­ma­riou An­tónio Fi­lipe, ex­pondo no fundo as ra­zões que estão na base da exi­gência de mu­dança da si­tu­ação pre­sente.

Deste de­bate re­sultou igual­mente claro que a pre­ca­ri­e­dade não é uma ine­vi­ta­bi­li­dade. «Não caiu do céu», ob­servou Rita Rato, lem­brando que a pre­ca­ri­e­dade é fruto de su­ces­sivas al­te­ra­ções à le­gis­lação la­boral que a ge­ne­ra­li­zaram, tal como de­gra­daram as con­di­ções de tra­balho e li­qui­daram di­reitos la­bo­rais e so­ciais.

Mas a pre­ca­ri­e­dade é também «uma opção do pa­tro­nato, uma me­dida de acen­tu­ação da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores», acres­centou An­tónio Fi­lipe, con­victo de que as em­presas im­põem a pre­ca­ri­e­dade aos tra­ba­lha­dores para «au­men­tarem o lucro dos seus ac­ci­o­nistas».

Maus exem­plos

Ponto muito su­bli­nhado pela ban­cada co­mu­nista foi ainda o de que o Es­tado não pode dar maus exem­plos.

«Não pode ser o maior pa­trão a prazo exis­tente no nosso País, não pode dar o mau exemplo que tem dado de subs­ti­tuir em­prego tão ne­ces­sário nos ser­viços pú­blicos por pro­gramas pre­cá­rios em que os tra­ba­lha­dores são mi­se­ra­vel­mente re­mu­ne­rados, não são re­co­nhe­cidos en­quanto tra­ba­lha­dores de pleno di­reito, e, no final desses pro­gramas, são lan­çados mais uma vez para uma si­tu­ação de de­sem­prego, sendo subs­ti­tuídos por ou­tras pes­soas na

mesma si­tu­ação», en­fa­tizou An­tónio Fi­lipe.

Eli­minar a subs­ti­tuição de em­pregos ne­ces­sá­rios nos ser­viços pú­blicos pelas cha­madas me­didas ac­tivas de em­prego – «uma enorme in­dig­ni­dade», como foi clas­si­fi­cada pela ban­cada co­mu­nista –, é assim uma exi­gência.

Foi so­bre­tudo re­al­çado o dever in­de­cli­nável do Es­tado de «ga­rantir a le­ga­li­dade das re­la­ções de tra­balho», bem como de dar não só o exemplo no pú­blico como de fis­ca­lizar ri­go­ro­sa­mente o cum­pri­mento da le­gis­lação la­boral no que se re­fere ao sector pri­vado, para além de ga­rantir a efec­ti­vi­dade dos di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais e le­gais de todos os tra­ba­lha­dores.

Papel da ACT

A ban­cada co­mu­nista chamou igual­mente a atenção para a ne­ces­si­dade de en­cetar com ur­gência um com­bate im­pla­cável aos falsos re­cibos verdes, às si­tu­a­ções em que o tra­balho su­bor­di­nado é en­ca­po­tado e em que os tra­ba­lha­dores são obri­gados a ins­crever-se como em­pre­sá­rios em nome in­di­vi­dual.

Como é igual­mente in­dis­pen­sável que a ve­ri­fi­cação dos ele­mentos de­fi­ni­dores do con­trato de tra­balho seja prova su­fi­ci­ente da exis­tência desse con­trato de tra­balho e que as si­tu­a­ções de falsos re­cibos verdes sejam au­to­ma­ti­ca­mente con­ver­tidas e re­co­nhe­cidas como con­tratos de tra­balho com todos os di­reitos ine­rentes.

Também neste plano, como foi sa­li­en­tado, a Au­to­ri­dade para as Con­di­ções de Tra­balho (ACT) as­sume um papel de­ci­sivo. Daí a exi­gência de que esta en­ti­dade possa ver re­for­çados os seus meios hu­manos e re­pen­sadas as suas com­pe­tên­cias e efec­ti­vi­dade das suas de­ci­sões, por forma a que possam ser dis­su­a­soras.

A reter das po­si­ções as­su­midas no de­bate pela ban­cada co­mu­nista fica ainda a sua de­fesa da li­mi­tação da ad­mis­si­bi­li­dade da con­tra­tação a termo, a con­versão de con­tratos a termo em con­tratos per­ma­nentes e a adopção de me­ca­nismos san­ci­o­na­tó­rios su­fi­ci­en­te­mente dis­su­a­sores do re­curso à pre­ca­ri­e­dade la­boral.
 

O fu­turo sus­penso

O re­curso ao tra­balho tem­po­rário e aos re­cibos verdes – aos falsos re­cibos verdes – para as­se­gurar ne­ces­si­dades per­ma­nentes é uma das faces vi­sí­veis dessa chaga que é a pre­ca­ri­e­dade la­boral.

A dura re­a­li­dade de quem – e são cen­tenas de mi­lhares de tra­ba­lha­dores – está su­jeito a um con­trato de seis meses, de três meses ou até mesmo con­tratos de uma se­mana, vi­vendo a per­ma­nente in­cer­teza de não saber se o mesmo é re­no­vado, de qual a data do úl­timo sa­lário que le­vará para casa.

A de­pu­tada co­mu­nista Diana Fer­reira deu o exemplo con­creto do tra­ba­lhador de uma mul­ti­na­ci­onal da in­dús­tria ali­mentar que, con­tra­tado por uma em­presa de tra­balho tem­po­rário e não pela em­presa onde tra­balha, «vê os seus con­tratos re­no­vados até ao li­mite para de­pois ser "man­dado" para casa "por uns tempos", para de­pois voltar a ser con­tra­tado pela mesma em­presa de tra­balho tem­po­rário, para o mesmo posto e tra­balho, para as mesmas fun­ções que de­sem­pe­nhava an­te­ri­or­mente».

Re­curso a em­presas in­ter­me­diá­rias – «au­tên­ticas fá­bricas de ex­plo­ração», acusou – que é prá­tica cor­rente em vá­rios sec­tores, como o da energia, da grande dis­tri­buição, das te­le­co­mu­ni­ca­ções, atin­gindo in­clu­sive o pró­prio sector pú­blico.

E a este pro­pó­sito não podem deixar de ser re­gis­tadas as pa­la­vras sobre esta ma­téria do mi­nistro do Tra­balho, So­li­da­ri­e­dade e Se­gu­rança So­cial e a in­tenção por si de­cla­rada de pro­ceder a um re­forço da ACT, através, no­me­a­da­mente, numa pri­meira fase, de um con­curso para a co­lo­cação de 83 novos ins­pec­tores. «Esta é uma di­fe­rença. Este é um ca­minho dis­tinto da­quele que foi se­guido ao longo de vá­rios anos de efec­tiva des­va­lo­ri­zação da ACT», su­bli­nhou, numa crí­tica ao an­te­rior exe­cu­tivo do PSD/​CDS.

O que se es­pera é que as pre­o­cu­pa­ções de Vi­eira da Silva te­nham tra­dução em me­didas con­cretas, de modo a com­bater a «ina­cei­tável pro­li­fe­ração da pre­ca­ri­e­dade», foram os votos de Diana Fer­reira.

Dupla pe­na­li­zação

Uma das áreas onde se faz sentir de forma mais no­tória a pre­ca­ri­e­dade é a do sis­tema ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico na­ci­onal, no­me­a­da­mente no que se re­fere aos bol­seiros de in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica.

Trata-se de jo­vens al­ta­mente qua­li­fi­cados que são sub­me­tidos a um re­gime de pre­ca­ri­e­dade in­justo e que pre­ju­dica não só a sua ca­pa­ci­dade de pro­dução ci­en­tí­fica como a es­ta­bi­li­dade das pró­prias ins­ti­tui­ções em que prestam o seu tra­balho, como sa­li­entou no de­bate o de­pu­tado co­mu­nista Mi­guel Tiago. Si­tu­ação esta que é «du­pla­mente pe­na­li­za­dora» não só porque os afecta pes­so­al­mente (de­grada os seus di­reitos e a qua­li­dade de vida, não as­se­gura es­ta­bi­li­dade e mantém em sus­penso o seu pró­prio fu­turo), como atinge também as ins­ti­tui­ções que não sabem muito bem com que corpo de in­ves­ti­ga­dores podem contar de um ano para o outro.

Con­tes­tada pelo par­la­mentar do PCP foi, por outro lado, a ideia de­fen­dida por su­ces­sivos go­vernos de que a pre­ca­ri­e­dade no mundo da ci­ência e da tec­no­logia é ne­ces­sária para que os tra­ba­lha­dores pro­duzam. «Não podia ser mais er­rada», su­bli­nhou Mi­guel Tiago, con­victo de que tanto as ins­ti­tui­ções como os tra­ba­lha­dores apenas têm a perder com a pre­ca­ri­e­dade.

O que falta, pois, no caso dos bol­seiros de in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica, são so­lu­ções, que, na pers­pec­tiva do PCP, passam à ca­beça pelo fim dessa con­dição tem­po­rária de bol­seiro e sua in­te­gração numa car­reira. In­te­gração essa que para aqueles que estão a obter o grau de dou­to­rado deve ser uma car­reira de ini­ci­ação à in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica (como o PCP já propôs em di­ploma). Ne­ces­sário é também, noutro plano, in­cor­porar todos aqueles que já são dou­to­rados na car­reira de in­ves­ti­gação ci­en­tí­fica, uma vez que, como foi dito, esta car­reira «não abre há dé­cadas no País, apesar das ne­ces­si­dades serem gri­tantes».

Praga atinge a Cul­tura

Uni­verso que também não es­capa à pre­ca­ri­e­dade é o da Cul­tura. Aqui, o fe­nó­meno as­sume pro­por­ções tais que se trans­formou numa praga que es­polia os tra­ba­lha­dores do «seu pre­sente, do seu di­reito ao tra­balho, do seu di­reito a cons­ti­tuir fa­mília, do seu di­reito à es­ta­bi­li­dade», rou­bando-lhes um «fu­turo digno», como sa­li­entou no de­bate a de­pu­tada co­mu­nista Ana Mes­quita. São ac­tores, ac­trizes, téc­nicos, ar­tistas plás­ticos, tra­ba­lha­dores de ar­que­o­logia, enu­merou, lem­brando quantos deles têm hoje «re­formas mi­se­rá­veis» não obs­tante a vida in­teira de tra­balho e de­di­cação à Cul­tura.

Um quadro que em nada di­fere, afinal, da­quele que ca­rac­te­riza a vida dos res­tantes tra­ba­lha­dores que en­frentam o mesmo pro­blema.

Tra­zidos para pri­meiro plano foram ainda os mais re­centes casos de de­núncia de falsos re­cibos verdes em di­versas es­tru­turas e salas de es­pec­tá­culos. Ins­ti­tui­ções onde a oferta de tra­balho é acom­pa­nhada de uma des­crição por­me­no­ri­zada das fun­ções a de­sem­pe­nhar – local, re­mu­ne­ração e até far­da­mento – mas a con­tra­tação é sob o re­gime de pres­tação de ser­viços. Ana Mes­quita, dando exem­plos, re­feriu-se con­cre­ta­mente ao CCB, ao Te­atro Na­ci­onal de São João, Te­atro Na­ci­onal de S. Carlos, Te­atro Ca­mões e a Ser­ralves.

Exemplo fla­grante é ainda o dos ar­queó­logos. Não obs­tante serem tantas e tantas vezes su­jeitos a ho­rá­rios e a local de tra­balho fixos, pres­tando ser­viço anos a fio para as mesmas em­presas, muitos estão con­de­nados ao tra­balho a re­cibo verde. E por causa disso, ob­servou a de­pu­tada do PCP, «quantos não ti­veram de aban­donar a pro­fissão e emi­grar, dei­xando o País mais pobre e mais vazio».

As más so­lu­ções do PSD

Do de­bate re­sultou claro que o PSD não tem ne­nhuma pro­posta ou so­lução para o pro­blema da pre­ca­ri­e­dade la­boral que não seja a pros­se­cução da mesma po­lí­tica que con­duziu à si­tu­ação ac­tual.

Isso mesmo ficou pa­tente na in­ter­venção do de­pu­tado Pedro Roque, que a toda a es­pécie de ar­gu­mentos re­correu para jus­ti­ficar a pre­ca­ri­e­dade la­boral, desde ques­tões in­ter­na­ci­o­nais à eco­nomia global, pas­sando pela União Eu­ro­peia, pela evo­lução da nossa eco­nomia ou pela exe­cução or­ça­mental. O que levou An­tónio Fi­lipe, in­ter­pe­lando o de­pu­tado la­ranja, a con­cluir que o PSD «não tem mais nada a ofe­recer que não seja as más so­lu­ções, as más provas dadas da sua go­ver­nação».

Pro­postas do PCP

Das ini­ci­a­tivas le­gis­la­tivas do PCP de com­bate à pre­ca­ri­e­dade que aguardam por agen­da­mento na AR fazem parte pro­postas, de que se des­taca as se­guintes:

– Trans­formar a pre­sunção de con­trato de tra­balho em prova efec­tiva da exis­tência de con­trato de tra­balho;

– Re­duzir as si­tu­a­ções em que é pos­sível re­correr à con­tra­tação a termo; re­vogar os con­tratos es­pe­ciais de muito curta du­ração;

– Re­duzir a du­ração do con­trato a termo certo para o má­ximo de três anos;

– Im­pedir o re­curso a me­didas pú­blicas ac­tivas de em­prego, para res­ponder a ne­ces­si­dades per­ma­nentes dos ser­viços pú­blicos, em­presas e ou­tras en­ti­dades;

– Es­ta­be­lecer san­ções eco­nó­micas, fis­cais e con­tri­bu­tivas para as en­ti­dades pa­tro­nais que re­corram a formas de con­tra­tação pre­cária;

– Adoptar um Plano Na­ci­onal de Com­bate à Pre­ca­ri­e­dade La­boral;

– Re­forçar os meios e com­pe­tên­cias da ACT.




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